Sunday, May 27, 2012

E Gelman...


Cerezas

Juan Gelman

Esa mujer que ahora mismito se parece a santa teresa
en el revés de un éxtasis / hace dos o tres besos fue
mar absorto en el colibrí que vuela por su ojo izquierdo
cuando le dan de amar /
y un beso antes todavía /
pisaba el mundo corrigiendo la noche
con un pretexto cualquiera / en realidad es una nube
a caballo de una mujer / un corazón
que avanza en elefante cuando tocan
el himno nacional y ella
rezonga como un bandoneón mojado hasta los huesos
por la llovizna nacional /
esa mujer pide limosna en un crepúsculo de ollas
que lava con furor / con sangre / con olvido /
encenderla es como poner en la vitrola un disco de gardel /
caen calles de fuego de su barrio irrompible

y una mujer y un hombre que caminan atados
al delantal de penas con que se pone a lavar /
igual que mi madre lavando pisos cada día /
para que el día tenga una perla en los pies /

es una perla de rocío /
mamá se levantaba con los ojos llenos de rocío /

le crecían cerezas en los ojos y cada noche los besaba el rocío /
en la mitad de la noche me despertaba el ruido de sus cerezas creciendo /

el olor de sus ojos me abrigaba en la pieza /
siempre le vi ramitas verdes en las manos con que fregaba el día /
limpiaba suciedades del mundo /
lavaba el piso del sur /

volviendo a esa mujer / en sus hojas más altas se posan
los horizontes que miré mañana /
los pajaritos que volarán ayer /
yo mismo con su nombre en mis labios /

Cerejas

Esta mulher que agora mesmo se parece com Santa Teresa
no revés de um extâse/ faz dois ou três beijos ser
um mar absorto no vôo do beija-flor através de seu olho esquerdo
quando lhe é dado ao amor /
e um beijo antes, todavia, /
de andar no mundo corrigindo a noite
com um pretexto qualquer / na realidade é uma nuvem
cavalo de uma mulher / um coração
que avança num elefante quando tocam
o hino nacional e ela
resmunga como um bandoneon molhado até os ossos
pela chuva nacional /
esta mulher pede esmolas num crepúsculo de ondas
que lava com furor/ com sangue / com esquecimento /
que se incendeia ao colocar numa jukebox  um disco de Gardel /
caem ruas de fogo de seu bairro inquebrável

e uma mulher e um homem que andam atados
adiante das penas que se põem a lavar /
Como minha mãe todos os dias a lavar o piso/
para que um dia tenha pérolas aos  seus pés /

e uma pérola de orvalho /
mamãe se levantava com os olhos cheios de orvalho /

lhe cresciam cerejas nos  olhos e a cada noite as beijava o orvalho /
no meio da noite eu acordava com  o ruído de suas cerejas crescendo

o perfume de seus olhos me abrigava na sala /
e sempre vi galhos verdes nas suas mãos esfregando o dia /
limpando as sujeiras do mundo /
lavando o chão do Sul /

de volta para a mulher / nas suas folhas mais altas pousam
os horizontes que olhei na manhã /
os pássaros que voavam  no passado /
eu mesmo com o seu nome nos meus lábios /

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