Saturday, August 26, 2006

BEM POSTADO


Sei que fui criado para ser perfeito.
Para ser uma pessoa definitiva,
Mas não sou.
Sei que, em algum momento,
Estou certo,
Porém não sei
Nem quando
Nem onde.
Tenho a leve impressão
Que perdi o bonde
E ainda não existe metrô.

SUCESSO É RELATIVO

Sou o Bob Dylan da periferia.
O Bob Dylan que não deu certo.
Nascer no Brasil
É ser grão no deserto.

Sou o Bob Dylan nordestino.
O Bob Dylan que não fala inglês.
Que se não deu certo ainda menino
Não vai ser depois de velho
Que terá vez.

Sou o Bob Dylan de Rondônia.
Não é ser americano do meio-oeste.
Viver em Porto Velho, um faroeste,
Só rima com peste e com agreste.

Eu sou o Bob Dylan que não deu certo,
Porém como brasileiro nunca desisto.
E com arte e zelo de nariz vermelho
Para o picadeiro me visto.

CIRCUNSTÂNCIAS

Eu sou só eu e minha guitarra.

Sou tão bom em tudo que não entendo
Que, muitas vezes, me vendo
E ninguém quer comprar.
Sou só um cearense de Rondônia
Que já viveu no Pará.

Meu sentido de orientação é tão bom
Que, muitas vezes, vou indo
Quando todos já vem vindo.
Ela nunca sabe o que estou sentindo
Se encosta em mim pedindo ilusão
Quando acabei de gozar.

A delícia é que não sei tocar.

Thursday, August 24, 2006

VIDA MORTA


Tenho medo de lâminas
Assim como tremo
Só de pensar em revolveres.
As balas, porém
Já fazem parte da vida
Incorporando-se à paisagem
Como o trem.
Com tudo nos acostumamos,
Mas a ausência de tua voz, querida
É um peso insuportável
No meu coração
E deixa a cidade sem vida
Sem contar o vazio que me dá
Se escuto a voz de Naná
Cantando nossa canção.

ILUSÃO VELOZ

Que tudo é veloz
Que tudo é rápido
Atestam as luzes
Que se afastam
As palavras que se dissolvem
As imagens que desaparecem.

Sei que te ofereceram
Um controle remoto
Que te disseram
Que a decisão está em tuas mãos
Que podes ir e voltar à vontade.

Não creia!
Não creia!
Escapa mentalmente.
Faz de conta que acredita,
Porém saiba
Que só serás livre
Enquanto não aceitar
O que aí está
E brincar, como uma criança,
De quebrar as regras.

Não duvida:
Querem te domar.
Se segues a lógica
Da velocidade
Serás mais um a correr
(Sem saber para quê)
E tua alma
Estará para sempre perdida.

Monday, August 21, 2006

EMILY DICKINSON



I had no time to hate, because
The grave would hinder me,
And life was not so ample I
Could finish enmity.

Nor had I time to love, but since
Some industry must be,
The little toil of love, I thought,
Was large enough for me.

Para odiar não tenho tempo
Que a morte pode me ceifar,
E a vida não é assim tão ampla
Para a raiva tanto durar

Nem para o amor tenho tempo,
Porém, é preciso com arte e jeito
Um pouco de amor obter, penso
Que de prazer encha nosso leito.

Saturday, August 19, 2006

SERVIÇO INACABADO

Eu sei que está demorando
Mais do que o normal,
Porém a pressão é natural
Quando se quer apressar
Uma função que precisa de tempo
Para se processar.
Não, madame, a senhora
Tem os seus direitos,
Todavia como consumidor
Exijo respeito aos meus
Se, até agora, convenhamos,
Não se fez nada,
Exceto agitar a água parada
E a cobra nem se moveu.
Serviço é serviço.
Complete o seu.
(De Poesias Mal-Comportadas)

VOCAÇÃO

Sei que nunca fui mágico
E que me desequilibrei como equilibrista,
Porém a dançarina era você,
Que me fez entrar no circo
Pagando o ingresso da ilusão,
Até quis me sair bem
No círculo de fogo,
Mas explodi como uma bala humana
E falhei feio como domador.
A lona incendiou,
O empresário ficou com toda a renda
E, conta a lenda,
Que até hoje vivo
Fazendo papel de palhaço.

(Quadro de Georges Seraut)

Sunday, August 13, 2006

SABEDORIA IGNORANTE

CLARÃO

Acabo aqui:
Onde tudo começo.
No recomeço de tudo.

Há uma suave sensação
De sofrimento inútil
Em contar estrelas
Ou procurar verdades.
Toda mentira é confortável
E nunca arde.

Vejo a única luz
Da chama acesa do saber
Que me persegue
Por nada conhecer.
O peso dos sonhos que carrego
Envolto no véu da ignorância
É o que produz esta bonança
De saber apreciar o mar
E o luar.

A névoa brinca com a clareza.
Pode ser que a vida seja
Um caminho de luz.
Perdido na noite escura
Limito minha procura
Ao prazer do instante.
Nada de pensar no adiante
Nem antecipar o gozo ou a tristeza.

Cada momento tem sua própria beleza.

Saturday, August 12, 2006

ODE AO VINHO

Há um dia em que se calarão os desejos.
Hoje não.
Hoje preciso, necessito, urgente,
De teus beijos, de teu corpo,
De sentir de novo a sensação
De que o amor não é uma ilusão.

E sôfrego conseguir chegar a algo,
Deixar crescer à flor da pele
O desejo guardado
Que vem assim louco, desesperado,
Em paixão aflorar
E satisfeito e calmo estar.

Sei que fui,
Que vou além do que devia,
Mas o amor, o amor é uma agonia,
Desembrulhando as emoções inesperadas
Que são espalhadas em suor, manchas, lençóis
E deixam marcas eternas em nós.

Pode não ter sentido
Sentir meu peito batendo assim
E tentar conservar na memória
O gosto de uma noite apenas.
O cálice da vida, no entanto,
Muitas vezes, não tem mais do que se abastecer.
Vem, amor, meu vinho é você
E preciso me embriagar.

Wednesday, August 09, 2006

SANTIDADE OU...

SANTA IDADE

Não me importam mais
As coisas materiais.
Se não sou espírito
Da forma que bailo e danço
Sou quase....

Me alimento.
Ainda me alimento de luz
Se morrer é só uma transição.
O real, o real
É uma ilusão!

ACONTECE

MAIS TARDE

No meio do sono agitado,
Com o corpo febril, suado,
Acordei sobressaltado
Como se houvesse
Um vulto negro
Ao meu lado.
Assustado,
Sem coragem nem de olhar,
Senti que era a Indesejada
Que vinha me buscar.
Ainda que fraco, debilitado,
Me revoltei.
Chamar não te chamei
E tenho tanto por fazer,
Um livro por escrever,
Tantas mulheres para amar,
Sonhos, encontros, projetos
Inconclusos
E a imensidão de amor por amar...
Desesperado comecei a gritar
Quebrando o silêncio da hora:
-É o momento errado! Some! Vai embora!
E, eu, que não rezo, me quedei a orar.
Como por encanto a escuridão
Começou a clarear
E, por divertimento ou pasmo com a ousadia,
Ouvi um sussuro da negritude que sumia:
-Tenho tempo....que me custa esperar!

Saturday, August 05, 2006

AMOR MUSICAL


A delicadeza do teu querer
Vibra em cada fibra de minha alma
Com o suave toque de tuas mãos
Que uma partitura invisível segue
Despertando harmonias insuspeitas de prazer
Para tornar o nosso amor
Uma sinfonia inacabada
E sempre repetida.
Música inesquecível de gozo e vida.

Friday, August 04, 2006

INTUIÇÃO

O teu perfume, minha amada,
É como o nascer na primavera
Um mundo encantado, quimera
Sutil, surpreendente como espada,

E, no entanto, só perturba, embriaga,
A paixaõ de todo adormecida
Que se acende na esperança vaga
De captar todo o sumo da vida.

E assim, por te querer, por amar tanto
Surpreso exploro em meu receio
Cada espaço, pele, dobra e canto
Quando o mel, tão bem sei, está no meio!

Thursday, August 03, 2006

A FLOR DAS FLORES

FLOR PRECIOSA
A úmida flor
Que minhas mãos desajeitadas colhem
Tépida, febril, nervosa
É carne, fios, líquidos, rosa,
Porta e poço,
Começo e fim,
Jóia esplendorosa,
Realidade de sonho e de loucura
No qual espada e língua
Se confundem
E fazem ver que nada sei
Senão, ò criatura,
Que é mais linda
Que todas que vicejam nos jardins
E jamais terão este delicioso fim.

PARA OS ELEITOS

MANJAR DOS DEUSES

Eram, na sua trêmula inocência,
Bandeiras de delícia e de paixão
Tanto que mal ousei passar a mão,
Bem de leve, com tímida insistência.

Eram, na febre, pássaros quietos,
Avisos e pedidos de mil beijos,
Quietude e tempestade de desejos,
Armas da paixão, punhais eretos.

Doces! Deliciosamente indiscretos.
Mamões papaias de sublime gosto
Sabiam aos manjares mais secretos

Que algum deus guardara para si
E a mim, que neles afoguei o rosto,
Por, um momento, um deus me senti!

Wednesday, August 02, 2006

ATÉ DRÁCULA SUCUMBIU

BELEZA NOCIVA
Oscila o pêndulo entre as horas mortas,
Oscila,
Enquanto o olhar vacila
Na busca
Do fatal momento.
As badaladas anunciam frenéticas
O surgimento do vampiro
Que com seus caninos mortais
Procura a veia,
Porém, na última hora,
Ante o jeito aborrecido da menina,
A atitude e o olhar arqueia
E troca o sangue da bela
Por uma gelada coca-cola
Ofuscado pela beleza
Que tudo devora.

BRILHO


Não há dia sem lembrança
Nem noite sem pesadelos
Toca flauta minha criança
Aumenta a coleção de selos.

O meu remorso é tardio,
A tua música lamento.
Nada do que foi sadio
Perde seu ressentimento.

Absurdas, as coisas, penso,
Enquanto irado corto
O pano da paixão antes imenso
Que, em lagrimas, jaz rôto.

Efêmera toda morte, vida,
Como as flores dos campos
Brilham na noite esquecida
Dançantes, mil pirilampos.