Friday, April 26, 2024

E, mais uma vez, Sara Búho

 


EL INTENTO

Sara Búho 

Recuérdame por qué estamos haciendo esto,

abrázame fuerte.

Tu piel actúa como un faro cuando cierro los ojos,

los latidos vuelven a su música habitual.

Abrázame fuerte,

como si pudiera desvanecerme

en cualquier momento.

Como si ya nunca pudieras volver a recordarme

y estos años no hubieran sucedido.

Como si todas las veces que nos dimos paz

pudieran borrarse.

Abrázame, por favor,

que algo se ilumina dentro de mí, se ordena;

como el aire cuando se hace viento

y de pronto sabe hacia dónde va.

A TENTATIVA

Lembra-me por que estamos fazendo isto,

Abraça-me forte.

Tua pele funciona como um farol quando fecho os olhos,

as batidas voltam à sua música habitual.

Abraça-me forte,

como se eu pudesse desaparecer

a qualquer momento.

Como se você nunca mais pudesse se lembrar de mim

e esses anos não teriam acontecido.

Como se todas as vezes que nos demos paz

pudessem ser apagados.

Abraça-me, por favor,

que algo se ilumine dentro de mim, se ordene;

como o ar quando se faz vento

e, de repente, sabe para onde está indo.

Ilustração: Sem Travas no Coração.

INCOERÊNCIA VITAL

 


O gato mia.

No telhado o gato mia.

O vento, o vento assobia.

Sinto que não posso te dizer como sinto falta de você.

Sei também que é incompreensível que assim seja,

pois, a separação pode ser tão doída quanto a morte

desde que nada nos conforte

e de tanto sentir não me proteja,

mas, assim é.

A vida,  a vida não é servida de bandeja

até porque não se tem garçom

ou porta aberta para nada- se é que o nada há.

No momento sou puro sofrimento

e só consigo me afogar

nas lágrimas que teimo em não derramar.

Ai de mim! Só posso te dizer que sou assim

com esta necessidade supérflua de você.

Uma poesia de Pierre Joris

 


ALTARS OF LIGHT

Pierre Joris

If the light is the soul

then soul is what's

all around me.

 

It is you,

it is around you too,

it is you.

 

The darkness is inside me,

the opaqueness of organs folded

upon organs-

 

to make light in the house of

the body-

     thus to bring the

outside in,

     the impossible job.

 

   And the only place to become

the skin

   the border, the inbetween, where

dark meets light, where I meets

   you.

 

   In the house of world the

many darknesses are surrounded

by light.

 

   To see the one, we need

the other / it cuts both ways

 

   light on light is blind

   dark on dark is blind

 

   light through dark is not

 

   dark through light is movement

   dark through light becomes,

is becoming,

     to move through

light is becoming,

 

   is all

     we can know.

ALTARES DA LUZ

Se a luz é a alma

então a alma é o que é

tudo ao meu redor.

 

É você,

o que está ao redor de você também,

é você.

 

A escuridão está dentro de mim,

a opacidade dos órgãos enrolada

sobre os órgãos -

 

para iluminar a casa de

o corpo-

    e  assim trazer o

de fora para dentro,

      o trabalho impossível.

 

    E o único lugar para vir à ser

a pele

    a fronteira, a entrada, onde

a escuridão encontra a luz, onde eu encontro

    você.

 

    Na casa do mundo o

muitas trevas são cercadas

pela luz.

 

    Para ver aquele, precisamos

do outro / corta nos dois sentidos

 

    luz na luz é cega

    escuro no escuro é cego

 

    luz através da escuridão não é

 

    escuro através da luz é movimento

    a escuridão através da luz se torna,

está se tornando,

      se move através

a luz está se tornando,

 

    é tudo

      que podemos saber.

Ilustração: Fantasy.

Outra poesia de Luis García Montero

 


PRINCIPIOS Y SENTIMIENTOS

Luis García Montero

NI las cartas escritas con palabras de invierno,

ni el puñal que se esconde debajo de una almohada,

ni el ojo del espía, ni las murmuraciones

que cubren como musgo las mesas de camilla,

ni las noches cargadas con pólvora de luna,

ni los lobos en mesas de despacho,

ni las leyes con filo de navaja,

ni el tiempo que deshace lo que levanta el tiempo,

ni las guerras heroicas, ni las paces crueles,

ni el odio de los mapas o de las autopistas,

ni ese reloj de arena que trabaja

en el desesperado abismo de los sueños,

ni la felicidad que es imprudencia,

ni el desamor que es agua envenenada,

ni siquiera la muerte, su voluntad de hielo,

su designio implacable de separarlo todo…

PRINCÍPIOS E SENTIMENTOS

NÃO as letras escritas com palavras de inverno,

não ao punhal que se esconde debaixo do travesseiro,

não ao olho que espia, não aos murmúrios

que cobrem as macas como musgo,

não às noites carregadas de pó de lua,

não aos lobos nas mesas de escritório,

não às leis com fio de navalha,

não ao tempo que desfaz o que levanta o tempo,

não às guerras heroicas, não às pazes cruéis,

não ao ódio aos mapas ou às estradas,

não àquela ampulheta que funciona

Não ao abismo desesperado dos sonhos,

não à felicidade que é a imprudência,

não ao desamor que é a água envenenada,

nem sequer à morte, sua vontade de gelo,

seu desígnio implacável de separar tudo…

Ilustração: Simplesmente Hoje.

Um poema de Susan Tichy


 

PUBLIC SPEECH

Susan Tichy

It is not very often me.

When it is, I start

by holding on to hatred.

 

I believe it is freedom.

I believe it is the smallest stone

of the self. Inside the walls

 

of the dream, I can’t stand,

I can’t lie down.

So I survive by hunching.

 

And it’s not that hard.

The blows-I survive them too.

Bones split on the grain, or,

 

brittle from hunger, snap

like twigs under boot soles.

It’s not that hard to turn my back-

 

I’ve done it before-

to walk right out of my body,

to look back and see it surviving.

 

Maybe they’ve won. Maybe

it’s all they wanted, for me

to see me as they do.

 

Or is it what I wanted—

to walk away, then turn back

and force myself to answer.

DISCURSO PÚBLICO

Não sou muitas vezes eu.

Quando sou, eu parto

mantendo o ódio.

 

Eu acredito que é liberdade.

Eu acredito que é a menor pedra

do eu. Dentro das paredes

 

do sonho, não suporto,

Eu não posso me deitar.

Eu sobrevivo me curvando.

 

E não é tão duro.

Os golpes- eu sobrevivo a eles também.

Ossos partidos no grão, ou,

 

quebradiço de fome, estalo

como galhos sob as solas das botas.

Não é tão difícil virar as costas-

 

Eu já fiz isso antes

sair do meu corpo,

olhar para trás e vê-lo sobreviver.

 

Talvez eles venceram. Talvez

era tudo o que eles desejavam, para mim

para me ver como eles são.

 

Ou é o que eu desejava-

ir embora e depois voltar

e me forço a responder.

Ilustração: Prezi.


INCOMPREENSÃO

 


Que nunca fui como os outros

e nunca vi a vida como os outros,

é verdade. Nem de paixões sabia,

nem da vida o que queria.

Nem de longe pensava na alegria

ou no futuro que me esperava,

nem mesmo nada conhecia.

Tudo o que fiz, fiz por fazer.

Assim, o tempo moldou meu querer,

no bem, no mal, em todo o caminho,

e, mesmo assim, não me senti sozinho.

E continuo brincando ou sério

sem entender do existir o mistério.

Ilustração: Lindekin.


Wednesday, April 24, 2024

E, outra vez, Sara Búho

 


ESPINAS

Sara Búho 

El amor no es ciego.

El amor ve todo,

incluso lo que no existe.

ESPINHOS

O amor não é cego.

O amor vê tudo,

inclusive o que não existe.

Sem Vinho e Você

 


Em vinho a vida vive.

Em vinho a vida se esgota,

Mas, viver a vida sem vinho

É navegar sem ter rota.

É como o amor sem teus beijos,

Dias assim sem te ver.

Viver a vida sem vinho

É viver que nem se nota

É como dormir sozinho

Sem prazer nenhum ou sonho.

É como o tempo tristonho

Com saudades de você!

Ilustração: Bom Gourmet.


Uma poesia de Sara Búho

 


FUERTE, CRISTALINA

Sara Búho 

Puedo respirar

debajo del miedo,

ahora que el miedo

no ocupa todo.

Me veo, amor.

Fuerte, cristalina, capaz.

He dejado de existir

a través de mi sombra,

he dejado que la luz

me atraviese.

Cuento los logros,

me veo en ellos

y los acaricio como

símbolo de todo el amor

que me he negado.

No soy tristeza

aunque a

veces esté triste.

No soy soledad,

tenías razón,

no eras tú mi soledad.

FORTE, CRISTALINA

Posso respirar

debaixo do medo,

agora que o medo

não ocupa tudo.

Me vejo amor.

Forte, cristalina, capaz.

Deixei de existir

através da minha sombra,

deixei que a luz

me atravesse.

Conto as conquistas,

me vejo nelas

e as os acaricio como

símbolo de todo amor

que me foi negado.

Não sou tristeza

Ainda que,

às vezes, fique triste.

Não sou a solidão,

tinhas razão,

não eras tu minha solidão.

Ilustração: Jornal da USP.

Uma poesia de Cecilia Woloch

 


PRAYER FOR 2018

Cecilia Woloch

Surely there was a river, once, but there is no river here. Only a sound of drowning in the dark between the trees. The sound of wet, and only that. Surely there was a country that I called my country, once. Before the thief who would be king made other countries of us all. Before the bright screens everywhere in which another country lives. But what is it, anyway, to live-to breathe, to act, to love, to eat? Surely there was a real earth, wild and green, here, blossoming. Land of milk and honey, once. Land of wind-swept plains and blood, then of shackles and of iron. And then the black smoke of its cities and the laying down of laws. Under which some flourished-if you call that flourishing-and from which others would have fled had there been anywhere to flee. My country, which is cruel, and which is beautiful and lost. Surely, there were notes that made a song, a pledge of birds. And not a child in any cage, no man or woman in a ditch. Surely, what we meant was to anoint some other god. One made of wind and starlight, pulsing, heart that matched the human heart. Surely that god watches us, now, one eye in the river, one eye where the river was.

PRECE PARA 2018

Certamente havia um rio, uma vez, mas não há mais rio aqui. Somente um som de afogamento na escuridão entre as árvores. O som do molhado, e só isto. Certamente havia um país que eu chamei de meu país, uma vez. Antes que o ladrão que seria rei fizesse de todos nós outros países. Antes das telas brilhantes em todos os lugares onde vive outro país. Mas o que é, afinal, viver - respirar, agir, amar, comer? Certamente havia uma terra real, selvagem e verde, aqui, florescendo. Terra de leite e mel, onze. Terra de planícies varridas pelo vento e de sangue, depois de algemas e ferro. E depois a fumaça negra de suas cidades e o estabelecimento de leis. Sob o qual alguns floresceram- se é que podemos chamar isto de florescimento - e do qual outros teriam fugido se houvesse algum lugar para onde fugir. Meu país, que é cruel, lindo e perdido. Certamente, havia notas que fizeram uma canção, um sinal de pássaros. E nem uma criança numa jaula, nem um homem ou uma mulher numa vala. Certamente, o que queríamos fazer era ungir algum outro deus. Um coração feito de vento e luz das estrelas, pulsante, que combinava com o coração humano. Certamente que Deus nos observa, agora, um olho no rio, um olho onde estava o rio.

Ilustração: Blog do Pedlowsky.

Monday, April 22, 2024

Etílico Devaneio

 


Ainda que o calor seja enorme

O belo líquido que escorre, na taça,

Acorda o prazer que, em mim, dorme

E põe, no domingo, cor e graça.

Na mesa, o queijo de Canastra,

A carne, a água, o vinho, o pão,

Este mínimo de ração, que basta,

Para se ser feliz ouvindo uma canção.

A boa amizade, os gestos de carinho,

Combinam com o verde de La Mancha

Que até me sinto um Dom Quixotezinho

E ouso ver, no Lito, um Sancho Pança!

 

Uma poesia de Luis García Montero

 


HOMBRE DE LUNES CON SECRETO

Luis García Montero

ESTE lunes de abril templado y diligente,

muy de mañana, sin haber dormido.

Por la cafetería cruza el buitre

de los horarios laborales,

entre tazas, tostadas y periódicos

se discuten las últimas noticias,

y el hombre del secreto

se sumerge en el túnel de una nueva semana.

Deshoja el bienestar de su café,

sonríe a quien le mira, se consuela,

porque tiene un secreto.

Los cuerpos juveniles son presente,

pero nos llega impuesta del pasado

la inocencia arbitraria de sus conversaciones.

 

El hombre del secreto lo comprende

camino del trabajo,

cuando los estudiantes llenan el autobús

y un tumulto de cuerpos con la cara lavada

se apodera del lunes.

HOMEM DE SEGUNDA-FEIRA COM SEGREDO

NESTA temperada e diligente segunda-feira de abril,

muito de manhã, sem ter dormido.

Na cafeteria cruza o abutre

dos horários de trabalho,

entre xícaras, torradas e jornais

se discutem as últimas notícias,

e o homem do segredo

mergulha no túnel de uma nova semana.

Desfolha o bem-estar do seu café,

sorri para quem o olha, se consola,

porque tem um segredo.

Os corpos juvenis estão presentes,

porém nos vem imposto do passado

a inocência arbitrária de suas conversas.

O homem do segredo compreende

o caminho do trabalho,

quando os estudantes enchem o ônibus

e um tumulto de corpos com caras lavadas

assume segunda-feira.

Ilustração: Planalto Transportes.

SHOW DA REALIDADE



Não me preocupo com dinheiro

(como se preocupar com o que 

                                                  não se tem?).

Mas, graças a Deus, sou brasileiro,

uma raça estranha que se contenta

com o que prometem que vem. 

Sou otimista:

acredito no futuro

e, por tal razão, vivo a vida inteira

duro, 

cheio de fé, vendo futebol, sambando

e, queira, ou não, a vida vai passando,

e só ficando pior,

até que a morte

nos faça feliz eternamente

por não sofrer mais, 

diariamente. 

E esta é, no fim, 

a salvação possível 

diante de uma realidade terrível. 

 

Uma poesia de Sara Búho

 


ESPINAS

Sara Búho 

El amor no es ciego.

El amor ve todo,

incluso lo que no existe.

ESPINHOS

O amor não é cego.

O amor vê tudo,

inclusive o que não existe.